sexta-feira, 3 de junho de 2011


MINHA FILOSOFIA CRUCIFICADA

Meu Deus! Como é difícil viver aquilo que se pensa!...

Outrora, toda a minha filosofia estava na cabeça,
Em forma de grandes idéias,
Mais tarde, a minha filosofia desceu ao coração,
Em forma de belos ideais.
E eu, na minha erudita ignorância,
Me tinha em conta de um filósofo...
E, em frases grandíloquas de altissonante eloqüência,
Proclamava aos quatro ventos a minha sapiência filosófica...
Quando, porém, tentei passar a minha filosofia
Da cabeça e do coração para as mãos,
Para a crueza da vida prática,
Para o rude prosaísmo da vivência cotidiana -
Quase que desanimei...
Verifiquei que subia ao Gólgota
E ia ser crucificado...
Da cabeça e do coração para as mãos -
Não é isto uma cruz?
Minha pobre filosofia,
Ontem tão segura e autocomplacente,
Hoje, sangrando entre os braços da cruz!...
Desde então, nunca mais falei em filosofia
Grandiloquamente,
Como se a possuísse, com segura abundância,
Como se fosse milionário do saber.
Desde então, tentei realizar,
Em humildade e silêncio,
Uma pequenina parcela
Das minhas grandes teorias,
E por feliz me dava quando conseguia viver um por cento
Das minhas idéias e dos meus ideais.
Enveredei pelo "caminho estreito"
Passei pela "porta apertada",
Deixei para cá da fronteira
Toda a minha orgulhosa bagagem filosófica
De ontem e anteontem...
Bem pouco da minha filosofia de antanho
Passou pelo "fundo da agulha" da vida real.
Abandonei aquém da fronteira fatídica
Toda aquela luxúria mental e verbal,
Como ilegal contrabando.
Mas, o pouco que passou para além
É sólido, seguro e legítimo,
É puro como ouro acrisolado
Em fornalha carinhosamente cruel.
E é este cerne da minha filosofia
Que me sustenta nas lutas da vida
E lança misteriosa ponte
Para a vida eterna...
Minha filosofia crucificada,
Morta e sepultada -
Ressuscitou -
Em plena Páscoa!
Aleluia!... 

A ARTE DE DESAPRENDER

Muita coisa aprendi,
No decurso da minha vida
Mas só no fim da vida
Aprendi a arte dificílima
De desaprender...
Desaprender os erros sem conta
Que os sentidos percebem
Na sua erudita ignorância...
Aprendera ele que os fatos externos
São a própria Realidade.
Aprendera que este mundo
Que os sentidos percebem
E o intelecto concebe,
São a realíssima
E única Realidade...
E por largos anos
Andei escravizado por essa ilusão.
Pois, que admira?
Se, por tantos séculos e milênios,
Dormira a humanidade nas trevas,
Como poderia eu, em poucos decênios,
Despertar para a luz?
Até que, finalmente, descobri
A Realidade para além das facticidades,
A alma do eterno Ser
No corpo desse efêmero parecer.
Hoje sei que os fatos são meros reflexos
No espelho bidimensional de tempo e espaço,
Reflexos da Realidade,
Que está em sentido oposto
A esses fatos refletidos
No espelho de tempo e espaço.
Mas só Deus sabe quanto esforço,
Quantos sofrimentos,
E quanta agonia me custou
Essa nova atitude,
Essa meia-volta que tive de dar
Ante o espelho do mundo das velhas ilusões,
Para enxergar o novo mundo da verdade!
Esse movimento de 180 graus,
Que dei em face do refletor,
Essa conversão dos conhecidos finitos
Para o desconhecido Infinito
Me custou o holocausto do meu ego,
Esse sangrento egocídio,
Que a verdade me exigiu.
Mas agora, de costas para os fatos
E de rosto para a Realidade,
Me sinto grandemente liberto
E jubilosamente feliz
E, em vez de amar o mundo sem Deus,
Amo o mundo em Deus
Porque vejo em cada fato efêmero
O reflexo da Realidade eterna.

(Do livro: Escalando o Himalaia - Ed. Martin Claret) 
















INSATISFEITO

Insatisfeito estava eu comigo mesmo,
Com essa rotina horizontal
De longos decênios...
Porque tinha eu de marcar passo,
Tediosamente,
No plano dos sentidos e da mente?
Por que não podia romper, finalmente,
A barreira do som e da luz,
E altear-me à ignota vertical
Do espírito?...
Viver novos mundos, de estupenda grandeza
E inefável formosura?...
Se eu era filho da luz,
Por que rastejar nestas trevas?
Se era espírito livre,
Por que gemer algemado?
Insatisfeito estava eu comigo mesmo.
E, por algum tempo, tentei
Imitar o exemplo de outros,
Meus companheiros de prisão,
Tentei dourar as grades escuras
Da minha velha cadeia,
E chamar "palácio" a minha masmorra,
Iludindo-me com aparências de liberdade,
No meio da escravidão.
Prevaleceu, todavia, a minha sinceridade
Sobre essa mentirosa camuflagem.
Não dourei as grades férreas da minha prisão.
Deixei escuras as ferrugentas barras.
Concentrei-me no meu íntimo ser,
Assiduamente,
Diuturnamente,
Intensamente -
E verifiquei que não era eu
Que estava preso,
Que era apenas algo meu
Que gemia no cárcere.
Descobri que o meu verdadeiro Eu era livre,
Libérrimo como as águias do espaço infindo,
Libérrimo como a luz e a vida,
Libérrimo como o próprio espírito de Deus...
Deixei na prisão o que era meu,
O meu ego físico-mental,
E proclamei a liberdade
Do meu Eu espiritual -
Até que, um dia, esse Eu divino
Consiga libertar também o meu ego humano,
Até que o meu ser total possa romper
As barreiras do som e da luz
E ingressar na gloriosa liberdade
Dos filhos de Deus...
                        ("A Voz do Silêncio" - Ed. Martin Claret.)


 




APÓS O EGOCÍDIO

Meu era o dinheiro.
Meu era o corpo.
Meu era o intelecto.
Meu era isto.
Meu era aquilo.
Tudo era meu.
Só meu - e de mais ninguém.
E, para constar que tudo aquilo era meu,
Eu fazia seguros de vida e de bens,
Assinava, sobre estampilhas oficiais,
Com firma reconhecida,
Solenemente carimbado,
Que isto e aquilo era meu,
Meu somente...
Tamanha era a insensatez
Da minha sensatez!
Tão inseguro era eu,
Que de tantos seguros necessitava!
Eu era senhor de tantos "meus"?
Porque ainda ignorava o meu verdadeiro Eu,
Que não necessita de "meus" nem de "seguros".
Identificava-me com o meu pseudo-eu,
Com o meu ego personal.
Que necessita de "meus" e de "seguros",
Porque é um pseudo-eu muito inseguro...
Quem de tudo isto necessita
É um necessitado, um pobre indigente.
Agora, porém, que ultrapassei o meu pseudo-eu,
Aboli quase todos os "meus".
Também, para que ainda defender os fortins de "meus",
Depois que se rendeu a fortaleza do pseudo-eu?
Aqueles "meus" só tinham uma razão-de-ser:
Garantir a existência do falso eu.
Mas agora que o falso eu morreu,
Agora que cometi o arrojado egocídio do ego -
Para que ainda manter esses velhos fortins,
Que o ego erguera em sua defesa?
Para que fortificar ainda o cadáver do ego?


Naquele tempo, toda a segurança me vinha de fora,
Da parte desses "meus".
Hoje, toda a minha segurança me vem de dentro,
Da alma do meu divino Eu.
E, sob a égide do grande Eu,
Se sente seguro até o pequeno ego.
Ressuscitou para uma vida nova.
Integrou-se, finalmente, no Eu divino.
Morreu o ego para o ego
E reviveu no Eu.
Se o ego não morresse,
Ficaria estéril;
Mas agora que morreu para si,
E ressurgiu no Eu -
Produz muito fruto...


(Do livro: A Voz do Silêncio - Ed. Martin Claret) 





EM SOLITUDE GLACIAL

Procura a tua felicidade em fazer felizes os outros.
Pensa sempre em dar - e nunca em receber.
Dá-te aos homens aos quais possas ser
pai, filho, irmão, amigo, servo samaritano, redentor.

 Sê como o sol ardente no espaço glacial do universo,
irradiando perenemente luz e calor,
ainda que nada recebas em retribuição.


Lá se vão, dia a dia, esses oceanos de claridade solar,
perdendo-se na vastidão do cosmos circunjacente,
abismando-se na imensa frialdade do vácuo...

 Consome-se o grande astro, há milhares de milênios,
na vasta solitude do deserto cósmico, sem jamais perceber
o menor efeito da sua constante irradiação.

 Verdade é que, à distância de 150 milhões de quilômetros
do seu foco, existe um pequeno planeta em cuja superfície
produzem os raios solares epopéias de vida e beleza
e desenham no espaço fantásticas pontes de sete cores
- mas o Sol nada disso sabe, nada disso vê,
nada disso sente nem adivinha...

 A sua solidão é absoluta...

 Assim, meu ignoto amigo, há de fatalmente acontecer
a ti, a mim, a todos nós que
queremos fazer o bem por causa do bem...

 -Há mais felicidade em dar que em receber-...

 Deus, o grande sol do universo espiritual,
dá tudo e não recebe nada.

E quanto mais o homem se aproxima de Deus,
mais participa desta felicíssima infelicidade,
de sempre dar sem nunca receber.

Só pode dar sempre sem abrir falência o homem que
dentro do próprio Eu possui inesgotável fonte de riqueza.

Não te iludas, meu amigo!
Serás como uma voz a clamar no deserto...

 Uma voz que, talvez, não desperte nenhum eco
de amizade e compreensão, no silencioso Saara das almas...

 Talvez não surja no horizonte nenhum oásis
de benevolência e amor, por mais que os teus olhos
sedentos interroguem a intérmina monotonia do areal...

Entretanto, continua a dar aos homens o que tens
e o que és - porque é divinamente belo
dar sem esperança de receber.
Consome-te, solitário astro de incompreendido amor,
exaure-te em pleno deserto de indiferença e ingratidão...
Ainda que nada percebas dos efeitos da tua irradiação,
algures, é certo, brotam flores, cantam passarinhos,
brilham olhos, sorriem lábios infantis,
rejubilam corações humanos
-porque tu, herói anônimo, existes,

 Vives...


Oras...

 Amas...

 Sofres...

(Do livro "De Alma para Alma", de Huberto Rohden)


ANSEIO POR UM FOGO VIVO

Quantas vezes, em horas de quietude,
Anseio por uma vida de luz e de paz,
Uma vida de harmonia, segurança, felicidade!
Quantas vezes entrevejo, ao longe,
Um reino de beatitude e de amor,
A acenar-me suavemente!...
E, nesses momentos de quietude dinâmica,
Eu me sinto assaz forte
Para superar todos os óbices
E romper caminho através dos impossíveis.
Mas... após dias, semanas e meses,
Desfalecem-me as forças...
Tudo em derredor é deserto árido...
Fastidiosa monotonia...
Cinzento areal...
Triste mediocridade...
E tão fácil começar,
Tão difícil continuar,
Dificílimo terminar...
E, perdendo de vista os longínquos páramos,
Eu me conformo novamente
Com a velha e cômoda rotina
Da vida horizontal de sempre...
Se todos assim vivem e vegetam,
Por que deveria eu ser uma exceção?
Não é isto tentação do meu lúcifer de dentro?
Querer ser herói e super-homem?...
E o meu velho egoísmo acomodatício
Doura de virtude a minha covardia...
Minha alma, porém, insatisfeita,
Continua a clamar pela luz,
Continua a ansiar pela paz imperturbável...
Mas essa luz e essa paz são filhas do sofrimento.
E eu ainda não sofri bastante...
Todas as minhas teses e teorias
Por mais verdadeiras e boas,
São como fogo pintado, artisticamente pintado
Na tela do meu ego...
Fogo fictício, sem luz nem calor...
Importa que sobre mim desabem
Dilúvios de dores,
Infernos de sofrimentos,
Oceanos de decepções,
Para que a fria inércia do meu fogo fictício
Se converta na ardente dinâmica de um fogo real!
Por isto, Senhor, não te peço que me poupes
Dores e decepções,
Rogo-te apenas as ponhas a serviço
Da minha cristificação,
Para que eu me realize plenamente
Em Cristo!...
Que eu seja crucificado, morto e sepultado,
Entre o Getsêmane e o Gólgota,
E ressuscite para uma vida nova,
Vida liberta dessas pequenas e grandes misérias
Que ainda me prendem a uma zona que não é minha...
Vida liberta, finalmente,
Desses ídolos e fetiches
Do meu velho ego...
Realizado em mim
A nova creatura em Cristo.
("Escalando o Himalaia" - Ed. Martin Claret)





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