OS ADVENTISTAS E AS TESTEMUNHAS DE JEOVÁ podem ser enquadrados dentro da tradição milenarista. Várias seitas1 dessa tradição têm se caracterizado por sua oposição ao desenvolvimento e institucionalização das Igrejas cristãs que se comprometem e se acomodam às realidades políticas e econômicas da situação vigente.
Enquanto para a Igreja tradicional a salvação é concebida como algo essencialmente individual e independente da situação político-econômica – a Igreja ensina que o prêmio para a virtude será concedido no céu, após a morte – para a seita milenarista o conceito de salvação é exatamente o oposto. Ela ensina que a recompensa aos justos será dada ainda na Terra. Entretanto, o mundo será radicalmente reorganizado, governado não por poderes políticos e econômicos, mas por princípios de justiça e verdade eternos, formalizados na pessoa e nos ensinamentos de Cristo, designado por Deus para governar o mundo renovado.
Todo o milenarismo representa um protesto real, ainda que indireto, contra o estado de coisas que se observa no mundo – contra um sistema cujos defeitos são realçados por alguns princípios da ordem a ser instaurada. O Novo Mundo ébasicamente uma ordem moral – e a moralidade que se corporifica nele não é, de maneira alguma, aquela que é própria das ações do proprietário, do comerciante ou do industrial, pois o milenarismo é, basicamente, a religião dos oprimidos.
Dizer que o milenarismo é uma forma de protesto não requer, entretanto, a necessidade de classificá-lo como um protesto abertamente político. Apesar disso, durante a Idade Média na Europa e, até certo ponto nas colônias americanas, os movimentos milenaristas forneceram, em diversas épocas, um ponto de apoio para os movimentos revolucionários políticos e econômicos a que haviam sido negadas outras possibilidades de organização e de expressão. Os grupos milenaristas que optam pelo ativismo – aqueles que planejam desempenhar um papel positivo e real na purificação e reorganização do mundo – são, em certo sentido, pré-políticos. Mas somente nesse sentido: quando não foi deixada em aberto qualquer possibilidade de organização política mais ampla, devido ao controle exercido pela classe dominante opressora.
O núcleo de qualquer grupo ou movimento milenarista sempre consiste naqueles que – interpretando os fenômenos contemporâneos em termos das profecias bíblicas – acreditam ser iminente a segunda vinda de Cristo e a conseqüente destruição do “velho” mundo. Não são grupos “políticos” no sentido convencional do termo, pois seu protesto é passivo e genérico. Entretanto, excluir a motivação política dos que participam desses grupos de forma alguma significa excluir as possíveis implicações não religiosas: uma Igreja é, ao mesmo tempo, uma entidade norteada por certo conjunto de crenças e de ritos, assim como é uma associação de homens. Nem sempre é possível descobrir qual aspecto é o motivo mais forte para que alguém decida ingressar num desses grupos religiosos.
A FONTE DA VERDADE
A salvação pela fé e o desenvolvimento da santidade pessoal são elementos importantes na tradição protestante. Permanecem como elementos críticos na medida em que se opõem às orientações da Igreja estabelecida – que se proclama a única com poder para guiar os fiéis à salvação, como mediadora entre o homem e Deus. Mesmo na Inglaterra do século 17 existiam numerosas sociedades laicas preocupadas com a busca de uma vida santificada. Essas atividades, porém, não levavam seus membros a deixar suas respectivas Igrejas. A busca individual da salvação, entretanto, floresceu na instável sociedade de fronteira dos Estados Unidos, onde os metodistas desempenharam inicialmente um importante papel com seus encontros de reavivamento espiritual. Não eram novos nos Estados Unidos e mesmo assim encontravam a oposição das sóbrias assembléias de ministros e de respeitáveis leigos. Apesar disso, as assembleias ao ar livre, os pregadores mais ou menos ocasionais e o entusiasmo religioso popular logo integraram o panorama americano, em especial nas áreas mais novas e socialmente menos organizadas.
O estilo teológico predominante dessas campanhas era o fundamentalismo; a Bíblia era tratada como fundamento de toda verdade religiosa, ponto de referência irremovível numa sociedade cujas normas de conduta se reformulavam devido às mudanças rápidas e aparentemente desordenadas que a realidade apresentava.
Desconfiada da autoridade estabelecida e das sutilezas intelectuais, que associavam à classe dos comerciantes “desumanos” e “parasitas” das grandes cidades da costa leste, a população rural queria provas indiscutíveis e acessíveis a todos. Na religião, a única prova capaz de satisfazer a esses crentes era a palavra da Bíblia, já culturalmente definida como palavra de Deus. Mais do que isso, confiava-se na palavra da Bíblia sem as interpretações ministeriais. Essa atitude não era simplesmente anticlerical, e sim uma rejeição da antiga autoridade que deveria ainda provar seu valor para ser aceita. Entretanto, se a Bíblia aparecia como a fonte mais autorizada das verdades religiosas, era em si cheia de promessas e profecias obscuras que necessitavam de interpretação, necessidade para a qual se voltou a especulação dos adventistas em escala internacional, durante e depois das guerras napoleônicas (fim do século 18 – início do século 19).
Esse Adventismo assumia mais freqüentemente a forma de especulação sobre o destino das nações do que atuava como veículo para a expressão do conflito de classes. Espalhou-se e se enraizou rapidamente pelos Estados Unidos, de modo particular e mais dramático nas áreas cultural e economicamente mais atrasadas.
O Adventismo reavivou também o interesse pelo estudo dos livros proféticos da Bíblia (especialmente o Livro de Daniel), aproveitando os estudos de grandes matemáticos ingleses sobre o advento final de Cristo. Esse movimento não era apenas de caráter internacional. Congregava também pessoas dos mais variados credos: “católicos, batistas, anglicanos, metodistas, presbiterianos, luteranos e outros se dedicaram com afinco ao estudo do Livro de Daniel, capítulo 8, versículo 14 – ao estudo do Santuário”. Estudavam, sob a orientação de Miller, a profecia dos 2.300 anos: o fim desse período marcaria a purificação do Santuário, que, para a opinião geral, significaria a purificação da Terra por meio da segunda vinda de Cristo, que se daria na quinta década do século 19.
Em 1818, Guilherme Miller, fazendeiro e ex-oficial do Exército americano, convenceu-se de que o Segundo Advento poderia ser deduzido com precisão a partir das Escrituras: deveria ocorrer entre 21 de março de 1843 e 21 de março de 1844. Entretanto, Miller não divulgou sua previsão até 1831, quando sua pregação foi calorosamente recebida no Estado de Nova Iorque. Dentro em pouco ele passou a receber convites para pregar em igrejas batistas, presbiterianas e outras. Em conseqüência, Miller assumiu, aos poucos, a liderança de um movimento adventista que crescia rapidamente, sustentado por mais de duzentos teólogos de todas as Igrejas cristãs. Esse movimento conseguiu unir cerca de 15.000 pessoas em reuniões religiosas – número este bastante expressivo, considerando-se que as cidades de Filadélfia e Boston tinham 25.000 habitantes cada uma e Nova Iorque, 40.000.
Interpretando os fenômenos contemporâneos em termos de profecia bíblica, os Adventistas e as Testemunhas de Jeová consideram iminente a segunda vinda de Cristo e a conseqüente destruição deste mundo de pecado.
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Missão adventista em Reserva dos Navajos, Vale do Monumento, Utah, EUA, no início da década de 1970.
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Filial das Testemunhas de Jeová, em Tatuí - São Paulo, Brasil (1997).
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Quando a data marcada para a Vinda tornou-se próxima, as atividades evangélicas se aceleraram. Joshua Himes, ministro de uma igreja batista, promoveu conferências; várias centenas de pregadores itinerantes foram contratados, e lançaram-se dois periódicos especiais. O próprio Miller proferiu trezentas conferências no intervalo de três meses. Nesse ponto, até mesmo os cristãos ortodoxos estavam em condições de aceitar as interpretações dos adventistas sobre os acontecimentos como sinais da mudança cataclísmica iminente. Entretanto, mais excepcional do que os fatos, parece ter sido a maneira como todos estavam dispostos a interpretá-los. Uma chuva de meteoritos, em 1833, por exemplo, constituiu um evento incomum, mas sua significação na época só pôde ser entendida no contexto cultural do fundamentalismo e da situação mais imediata de muitas pessoas sustentando crenças que, por si próprias, provavelmente jamais teriam levado a sério.2Excitados pela aproximação do tempo designado e pelo prodigioso aparecimento dos meteoritos, os crentes tornaram a atmosfera nos encontros das tendas ainda mais excitante.
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A chuva de meteoritos em 1833, conforme representada no livro O Novo Mundo (Igreja Adventista do Sétimo Dia - Movimento da Reforma)
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A tabela cronológica usada pelos expositores das datas "proféticas" milleristas. Destaque para os anos de 1798 e 1843, ao pé da tabela.
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O fim de 1833 chegou e foi grande o desapontamento. A nova data, fixada para 1844, passou a ser esperada.3 Mas, repetiu-se a desilusão dos crentes no Advento: nenhuma mudança visível ocorreu.
Na verdade, fora Y. Ynow, conferencista do Adventismo, que fixara a data da segunda vinda de Cristo em 22 de outubro de 1844 – correspondente ao dia da Expiação do antigo Judaísmo.
Durante esses acontecimentos, os adeptos de Miller não chegaram a se constituir numa seita distinta, pois eram membros de várias denominações e encontravam pouca hostilidade por parte de seus correligionários. Paradoxalmente, foi depois do desapontamento de 1833, que os adventistas se constituíram numa organização distinta, designada como Adventistas do Sétimo Dia. Esse desenvolvimento foi, porém, bastante vagaroso e não ocorreu somente com base na fé adventista comum. Novos profetas e novas revelações haveriam de surgir para dissipar as trevas. O desdém público havia crescido por causa da enganosa crença de que 1833/44 seria o encerramento da porta da graça. Isso acabou por gerar um retorno à Bíblia, pois “o erro deveria estar neles e não na Bíblia”: apesar do não-cumprimento material e da variedade de explicações, “todas as profecias se cumpriram ipsis litteris”.4
Alguns continuaram a aceitar um breve adiamento, outros, entretanto, deixaram de acreditar nas palavras proféticas de Miller. O próprio Miller perdeu efetivamente toda a iniciativa. Não conseguiu mais tomar qualquer medida inovadora, apegando-se à idéia de que o retorno do Senhor estava próximo. Sua posição, porém, não bastou para manter os adventistas num grupo unido e coeso.
A primeira posição dos adventistas – de que a Verdade seria acessível a todos – foi modificada pela idéia de que a revelação profética seria dada a alguns cujos pronunciamentos deveriam ser aceitos como verdadeiros. Duas visões foram então particularmente bem recebidas: a de Hiram Edson e a de Ellen Harmon (mais tarde Ellen Gould White). Entretanto, foram as visões de Ellen que acabaram por fundamentar as posições do grupo mais organizado que se formaria a partir das bases dispersas do “Millerismo”.
Edson explicou a não-concretização da Segunda Vinda devido à responsabilidade de Cristo em completar sua obra no segundo compartimento do Santuário no céu. Até 1844, Cristo estivera ocupado com o serviço diário de Sumo Sacerdote, procurando alcançar o perdão para os pecados dos homens; depois de 1844 ele se dedicaria a apagar o pecado da face da Terra. Estaria agora em andamento um Juízo Investigativo para descobrir quem, dentre os mortos, mereceria a ressurreição e quem, dentre os vivos, mereceria a transladação. Todo pecado seria finalmente atribuído a Satanás – o bode expiatório – até que ocorresse sua destruição final. Proclamando-se com o dom da profecia, Ellen Gould White conquistou adeptos entre os adventistas, através de escritos que são divulgados até os tempos atuais. Suas visões transformaram-se em cânon do Adventismo, sendo suas revelações escritas consideradas como “o dom da profecia”. Suas visões serviram para confirmar e identificar a igreja nascente dos adventistas como a “última Igreja” de que fala a profecia bíblica.
Não surgiu, porém, imediatamente a esses acontecimentos, uma seita definida, como indica um relato dos próprios adventistas: “Adventistas de várias igrejas reuniam-se constantemente para o estudo das Escrituras, e outras verdades que haviam sido esquecidas pelo Cristianismo foram descobertas e explicadas”.5 Uma doutrina e um movimento consolidados só apareceram umas duas décadas depois do fracasso da profecia inicial de Miller. A doutrina de que a “purificação do Santuário” – tema das especulações e cálculos de Miller – “seria o início do Juízo Investigativo e não o Juízo Executivo, o fim do mundo”, passou a explicar a não-concretização da Segunda Vinda.6
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Uma das primeiras igrejas adventistas nos EUA (século 19)
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Ellen White discutindo sobre o texto bíblico
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Apesar disso, sob a liderança de James White e Ellen Gould White, cresceu a importância doutrinária do Sétimo Dia como Dia do Senhor. A observância rigorosa desse dia por parte dos adeptos do Adventismo impôs-se como condição necessária para a salvação.
A vigorosa liderança dos White inspirava cada vez mais a confiança na formação de uma base para o desenvolvimento de um conjunto distinto de crenças. No evangelismo, o zelo dos adventistas observadores do sábado foi orientado em direção à disseminação da mensagem do Terceiro Anjo a respeito do Sábado (Sabbath) ou Dia do Senhor (Apocalipse 14:6-11). A propagação da mensagem foi vista como tarefa imperativa: os homens deveriam ouvir a verdade sobre o Sabbath antes que ocorresse o Advento. Apesar de não estar formalmente organizado como Igreja Adventista do Sétimo Dia até o ano de 1860, o movimento se expandiu vigorosamente, vindo a desempenhar um papel realmente ativo em missões nos Estados Unidos durante os anos 60 do século 19 e em áreas estrangeiras, nos anos 70 daquele mesmo século.7
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Imagem da primeira edição do jornal "A Verdade Atual", publicado por James White. Neste, ele defendia a idéia de que o Sábado semanal foi instituído por Deus no momento da Criação, e não na Lei Mosaica, transmitida no Monte Sinai.
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Charles Taze Russell envolveu-se inicialmente com o Adventismo nos Estados Unidos. Entretanto, seguindo um caminho próprio, chegou a conclusões diferentes daquelas dos Adventistas do Sétimo Dia. Foi o fundador de um grupo religioso que viria a ser conhecido como Testemunhas de Jeová.
AS TESTEMUNHAS DE JEOVÁ
Nascido em 1852 em Allegheny, Pensilvânia, Russell foi educado no Presbiterianismo. Mais tarde renunciou a ele por causa da doutrina “mesquinha” da predestinação e do tormento eterno.8 Reunindo um grupo para sessões semanais de estudo, Russell aprofundou sua inspiração e desenvolveu, finalmente, uma profecia própria: a Segunda Vinda ocorreria em 1914.
Empenhando-se cada vez mais no evangelismo em geral e divulgando a própria mensagem, Russell encerrou suas atividades comerciais, que lhe renderam grande capital. E, em 1876, tornou-se o apoiador financeiro e co-autor do “Arauto da Aurora”, um jornal adventista escrito e publicado em Rochester, Nova York, por N. H. Barbour. O grupo de estudantes de Russell uniu-se ao de Barbour. Essa aliança, porém, durou apenas três anos. As relações entre os dois líderes deterioraram-se devido a um artigo escrito por Barbour e publicado no “Arauto da Aurora”. Nele o autor negava que a morte de Cristo foi o preço do Resgate para Adão e sua raça. Russell criticou fortemente essa tese no mesmo jornal. Em conseqüência disso, o relacionamento entre ambos jamais voltou a ser o mesmo e Russell deu por encerrada a sociedade com Barbour.9
Em julho de 1879 ele lançou o primeiro número de “A Torre de Vigia de Sião e Arauto da Presença de Cristo”, com uma tiragem de 6.000 exemplares. Sob o nome de “A Sentinela”, essa revista alcança ainda enorme circulação. Em paralelo com seu lançamento, Russell iniciou uma intensa campanha evangelística pelos Estados Unidos. Prenunciando o desenvolvimento de um aspecto da existência do grupo que deveria se tornar praticamente a razão de ser da organização religiosa, em especial depois de sua morte, Russell incentivou seus seguidores a se espalharem pelo mundo, distribuindo seus tratados evangélicos. A literatura produzida por Russell criou tanto interesse que em 1881 dois militantes foram enviados à Grã-Bretanha para distribuir suas obras.10 No mesmo ano, Russell fundou a Sociedade Torre de Vigia de Tratados. Assim estava estruturada uma organização para garantir as atividades de publicações. Quando foi estabelecida na Pensilvânia, em 1884, a entidade declarou seus objetivos, que se estendiam, além da organização encarregada das publicações, aos próprios grupos de estudos bíblicos. Nesse ponto inicial os fundos eram voluntariamente doados pelos estudantes da Bíblia para que se lançassem novos trabalhos.
A partir dessa base relativamente restrita, a Sociedade se ampliou: em 1889 mudava-se para local próprio e era proprietária exclusiva do equipamento impressor. Estabeleceu-se também um programa de reorganização do trabalho missionário numa base diferente das velhas técnicas de reavivamento que produziam muitos convertidos, mas fracassavam em mantê-los unidos num só grupo. Até os membros dos grupos de estudos bíblicos foram incentivados a desempenhar a função de missionários nas áreas vizinhas a suas residências.
Mesmo nesse estágio de reorganização, o efeito do trabalho não se limitava aos Estados Unidos e Grã-Bretanha: em 1880 já se mantinha correspondência com estudantes da Bíblia na China, Turquia, Índia e África. Para fortalecer a influência internacional das publicações da Sociedade e de sua própria doutrina, Russell realizou sua primeira viagem missionária ao exterior, em 1891. Depois disso, as publicações da Torre de Vigia passaram a ser editadas em várias línguas.
Nessa época, a Sociedade assumia uma identidade mais claramente definida: Russell escreveu uma série de seis volumes (um volume adicional foi publicado postumamente) – a Aurora do Milênio – que reuniu suas profecias e interpretações de textos bíblicos e dos acontecimentos dos últimos milênios da história humana11; em nível organizacional, as congregações de Estudantes da Bíblia, de início quase independentes da Sociedade – que se limitava a distribuir livros para o estudo da doutrina de Russell – passaram a receber visitas regulares de representantes (“peregrinos”) da Sociedade. Esse crescimento logo chamou a atenção das Igrejas estabelecidas, que não reagiram de forma amigável. Adotando uma posição comum à maioria dos movimentos milenários, a Sociedade fazia severas criticas às Igrejas estabelecidas. Além disso, outro fator contribuiu para aumentar o sentimento de hostilidade: a prática, introduzida pela Sociedade em 1900, de distribuir “Cartas de Retirada”, com o timbre da Sociedade Torre de Vigia. Eram cartas enviadas pelos convertidos e membros da seita fundada por Russell às Igrejas a que pertenciam anteriormente. Essa prática foi mantida durante trintaanos.12
O ano de 1914 aproximava-se e a campanha de evangelização se acelerou e se expandiu, utilizando todos os meios de comunicação disponíveis.13 Além de seu departamento de publicações, a Torre de Vigia aventurou-se ainda pelo campocinematográfico.14 Em 1912, juntamente com alguns auxiliares, Russell realizou uma viagem missionária pelo mundo.
O ano de 1914 chegou e passou. Com ele veio o início da Grande Guerra na Europa, mas não a evidência de que todos os governos humanos tivessem chegado ao fim. Era difícil ver nessa guerra uma espécie de Batalha do Armagedom prenunciando que todas as iniqüidades seriam extintas.
Desencadeou-se, então, uma crise semelhante à vivida pelos seguidores de Miller em 1833/44. Havia apenas uma diferença: a Sociedade Torre de Vigia já se transformara num corpo organizado, cuja preservação englobava interesses não apenas religiosos. Assim, a Sociedade fendeu-se pelo desapontamento, pelo conflito e pela apatia. Nos dois anos seguintes as publicações caíram em mais de 50%. Durante essa crise, Charles Taze Russell morreu num trem quando se dirigia ao Texas em viagem missionária.15 Não era, pois, invejável a posição da Sociedade Torre de Vigia em 1916: a predição de seu líder e fundador se provara falsa e ele próprio estava morto.
A MISSÃO DE PROPAGAR A PALAVRA DE DEUS
Com a perda de Russell tornou-se mais fácil racionalizar o fracasso: o erro tinha sido humano e não divino.16 Mas era ainda preciso provar o que a corrente histórica da Torre de Vigia afirmara sobre si mesma: “A maioria dos estudantes da Bíblia sabia que sua obra não dependia de um único homem. Era a obra de Jeová, dirigida pelo Espírito Santo”.17
Seguiu-se uma luta acirrada pelo poder no interior da Sociedade. Uma luta que, analisada atualmente pelas testemunhas de Jeová, travou-se entre os homens “corretos” e seus “ambiciosos oponentes”.18 A liderança da Sociedade foi finalmente assumida pelo juiz Rutherford.
Russell foi freqüentemente acusado de irregularidades em sua vida pessoal, e Rutherford sofreu críticas de seus subordinados devido à aspereza de suas atitudes. Talvez as características pessoais de Rutherford tenham sido a maior causa da ruptura que, de qualquer forma, acabou ocorrendo.19 Após um primeiro momento de contestação, vários grupos dos Estados Unidos e do exterior rebelaram-se. Nos Estados Unidos, os quatros diretores dissidentes formaram grupos separados e, mais tarde, membros de todo o mundo foram se juntando a eles. Esses grupos, que se subdividiram ainda mais desde 1918, existem atualmente e respeitam as obras de Russell, mas sem dar crédito a qualquer obra publicada após a morte dele.20
Um dos mais interessantes produtos europeus dessa divisão foi a “Eglise du Royaume de Dieu” ou “Les Amis de I'Homme” (“Igreja do Reino de Deus” ou “Os Amigos do Homem”), que se formou quando F. L. Alexander Freytag, chefe do movimento europeu da Sociedade Torre de Vigia, rompeu com ela em 1918. Esse grupo abandonou a concepção do Milênio como um período de punição aos maus e recompensa aos justos por Deus. Em sua substituição, Freytag declarou a existência da lei do “mérito justo”, onde os homens geram o próprio sofrimento ao se desviarem da lei do amor de Deus.21
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Charles Taze Russell foi o fundador do grupo religioso que mais tarde viria a ser conhecido como Testemunhas de Jeová. Apesar de suas profecias sobre a segunda vinda de Cristo não se terem concretizado, Russell exerceu grande influência entre os milenaristas através de seus tratados evangélicos. Após sua morte, o Juiz Rutherford assumiu a liderança do movimento. Suas atitudes ásperas, porém, geraram o descontentamento entre seus subordinados, levando-os a uma ruptura. Imagens: Charles Taze Russell, primeiro presidente da Sociedade Torre de Vigia (à esquerda) e Joseph Franklin Rutherford (à direita), seu sucessor na liderança da organização.
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O desapontamento e as divisões internas não foram os únicos problemas que Rutherford teve de enfrentar ao assumir a liderança da Sociedade. Em 1918 os Estados Unidos estavam em guerra com a Alemanha. E os patriotas americanos não estavam dispostos a ouvir calados os ataques de Rutherford ao “Satânico Poder Anglo-Saxão sobre o Mundo”, ao serviço militar obrigatório e ao caminho da apostasia pelo qual as Igrejas ortodoxas americanas enveredavam.22 Seus pronunciamentos provocaram uma reação rápida e violenta: um julgamento que não primou pela moderação e imparcialidade da justiça acusou de subversão Rutherford e sete co-diretores da Sociedade – a Rutherford coube uma sentença de oitenta anos de prisão.
Com o fim da guerra, Rutherford e seus associados foram libertos e suas sentenças anuladas. Entretanto o efeito dessa discriminação não poderia ser apagado. Assim, Rutherford voltou a liderar o movimento: ressurgia como um servo do Senhor que fora perseguido pelos aliados do anticristo e os havia vencido.
Plenamente convencidos de que constituíam a “Igreja perseguida dos últimos tempos” e dispondo de uma explicação para o fracasso da profecia, os membros da Sociedade confirmavam que o reinado de Deus estava agora no céu23 e deveria substituir os reinados da Terra após decorrer uma geração. Assim, continuava a ser válida a profecia de Russell, que propunha o ano de 1914 como o início desse reinado de Deus.
A Sociedade Torre de Vigia entrou numa fase de reconsolidação, reorganização e reorientação. No congresso realizado em Cedar Point em 1919, onde predominou o clima emocional, Rutherford interpretou os reveses da Sociedade como sinais da ira de Deus em relação a Seu povo: a causa dessa ira estava na tolerância dos fiéis em relação às manchas de pecado dos ensinamentos e práticas pagãs que tinham raízes na antiga Babilônia.24 Para combater essas tendências, Rutherford lançou uma nova publicação – “A Idade de Ouro” – “uma revista que expunha o erro religioso e trazia à atenção a esperança e o consolo encontrados nas Escrituras Sagradas”.25 Esse processo desenvolveu-se no encontro dos Estudantes da Bíblia em 1922: Rutherford lançou as bases complementares de sua política de obra missionária total, sob esta orientação: “Eis que o Rei reina! São os seus agentes de publicidade. Portanto, anunciem, anunciem, anunciem o Rei e seu Reino!”.26 Em consequência dessa política, a Sociedade e suas congregações de Estudantes da Bíblia transformaram-se em partes de uma grande organização de publicidade sob o controle progressivo do presidente. Mais e mais as energias foram canalizadas na propagação da mensagem de Cristo, conforme Rutherford a interpretava.
Em 1931 a organização adotou o nome de Testemunhas de Jeová. Com o desenvolvimento e organização eficientes das atividades missionárias, o movimento expandiu-se de maneira regular. As perseguições, porém, ainda que esporádicas, continuavam nos Estados Unidos. Durante a Segunda Grande Guerra as Testemunhas foram novamente criticadas por se recusarem a cumprir o serviço militar. Sua recusa não era motivada por uma ideologia pacifista, e sim pelo repúdio ao direito que o Estado se assegurava de pedir a vida que Jeová concedera.27 As testemunhas também sofreram desagradáveis incidentes por sua recusa sistemática em saudar a bandeira americana: viam nela um símbolo de veneração e submissão ao reino terrestre, em vez de veneração e de submissão ao Reino de Deus. Foi, porém, na Alemanha que tiveram de pagar o maior preço por sua fé: ficaram confinados em campos de concentração devido ao seu princípio de não-envolvimento no esforço nacional de guerra.
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Desde o início, tanto os Adventistas como as Testemunhas de Jeová caracterizam-se pelo esforço em propagar a palavra de Deus segundo a interpretação de seus líderes. As missões de ambas as igrejas já abrangem muitos países, assim como suas publicações são vendidas aos milhões de exemplares no mundo inteiro. Imagens: À esquerda: Publicações das Testemunhas de Jeová, com destaque para as revistas A Sentinela eDespertai! Até o momento em que se escreve isso, elas são as duas revistas oficiais da Torre de Vigia. À direita: Publicação adventista, Evangelismo, um entre as dezenas de livros escritos por Ellen G. White.
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Durante a Segunda Guerra Mundial, o movimento sofreu nova mudança de orientação. Em 1942 morreu o juiz Rutherford e foi sucedido por N. H. Knorr.28 Knorr era o homem de confiança de Rutherford e foi eleito por unanimidade. Poucas mudanças radicais realizaram-se. No entanto, logo se tornou evidente que Knorr daria grande importância à preparação de missionários, tanto dos que trabalham de porta em porta como os que trabalham em países estrangeiros.29
Além disso, no ano de 1942 a Sociedade abandonou por completo sua orientação de travar uma batalha permanente contra as “forcas de Satã”, adotando uma política de construção de uma nova e melhorada sociedade. Seus membros estariam assim se preparando para o dia em que fossem senhores do mundo.30
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Assembléia Internacional das Testemunhas de Jeová em São Paulo - SP, Brasil, dezembro de 1973.
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A DOUTRINA MILENARISTA
Como prevêem o fim do atual sistema de coisas num futuro próximo, os adventistas e as testemunhas de Jeová compõem Igrejas ou movimentos considerados milenaristas. Ambas acreditam que os verdadeiros crentes viverão contentes e em harmonia numa terra transformada e governada pela justiça divina. Essa visão da história e da relação entre os homens e Deus baseia-se em profecias bíblicas que retratam o fim da perversidade e o estabelecimento do Reino de Deus na Terra. A localização dos “últimos tempos” no presente justifica-se pela relação entre os fatos contemporâneos e as profecias. Essa tentativa de ajustar acontecimentos presentes às afirmações vagas, e muitas vezes lúgubres, das profecias, não pode ser considerada como uma característica nova. Poucos momentos existiram em toda a história da Europa em que não se houvessem identificado os “últimos dias”, indicando até mesmo o lugar e a data do acontecimento com o próprio “aqui eagora”.31
Embora o atual movimento das Testemunhas de Jeová não seja anterior a 1872, considera-se o grupo mais antigo de adoradores do verdadeiro Deus. Seriam as testemunhas de Jeová o povo cuja história antecede qualquer denominação religiosa do Cristianismo ou mesmo do Judaísmo.32
Essa reivindicação pode ser compreendida no contexto da concepção das testemunhas de Jeová sobre a história do mundo e da maneira como entendem a si mesmos a partir dessas concepções. Segundo as Escrituras, o céu foi criado muito antes da Terra e, assim, os habitantes do céu existem muitos antes da criação do homem. Esses habitantes do céu – os anjos ou criaturas espirituais – foram designados para cuidar das diferentes formas de vida criadas por Jeová.
Entre eles, Jesus ocupa uma posição proeminente: Ele existia no céu como um espírito, muito antes de vir à Terra como homem. Foi o primeiro dos espíritos porque foi o primeiro a ser criado por Deus. Todos os espíritos criados depois tiveram Jesus como co-autor – daí sua designação de “único Filho gerado diretamente por Deus”. Há, pois, uma hierarquia na criação: Jeová – o Criador onipotente – ocupa a primeira posição do poder. Após ele, está Jesus – seu filho –, seguido pelas hostes angélicas. O homem situa-se pouco abaixo dos anjos e, portanto, em quarto lugar. Ele é o chefe da mulher, que ocupa a quinta posição. Os animais inferiores estão sujeitos ao homem e são os ocupantes do sexto lugar.33
Ao criar a Terra e toda a vida, Deus designou um de seus anjos para zelar por ela e assegurar que todos os seres viventes agissem de acordo com Seus propósitos ao criá-los. O anjo deveria vigiar as ações do homem no Paraíso, para garantir que todas as manifestações de adoração e de glorificação fossem dirigidas a Jeová como seu Criador. No desempenho dessa tarefa, o anjo contaria com o auxílio de vários espíritos.
Mas o anjo que liderava os espíritos vigilantes cobiçou as oferendas e glorificações que Adão e Eva dirigiam a Jeová. Então se esforçou para seduzir primeiro a mulher e depois o homem e afastá-los da verdadeira obediência e adoração ao Criador. Essa tentativa foi coroada de êxito e contou com a aquiescência de outros anjos que vigiavam a Terra quando viram o fato consumado: a queda em tentação do homem e da mulher.
Assim Lúcifer34, o grande anjo, passou a receber a glorificação antes prestada a Jeová. Recebendo o nome de Satanás – “Opositor” ou “Oponente” –, ele assumiu o controle dos céus e da Terra, que inicialmente integravam o mundo perfeito. Os anjos que aceitaram a liderança de Satanás foram chamados de “demônios”; o Paraíso terrestre perdeu-se quando Adão e Eva foram expulsos do Éden pelos querubins leais a Jeová. Essa foi a origem do mal no mundo: o pecado passou a dominar e ainda estaria dominando.
Jeová considerou como um desafio a rebelião de Satanás. Um desafio que aceitou com a seguinte condição: Satanás deveria transformar os adoradores do verdadeiro Deus em seus adoradores no prazo de 6.000 anos. Mas, apesar dos esforços de Satanás para estimular todas as formas de imoralidade, crime, violência e egoísmos em geral, sempre houve alguns homens na Terra fieis a Jeová. Essas pessoas seriam “testemunhas de Jeová”, independente do ramo de Cristianismo em que militavam.35
O fim do período de 6.000 anos (fixado em outubro de 1975)36 e a esperada derrota de Satanás deverão ser marcados pela criação de um novo céu e de uma nova Terra em substituição a este mundo de pecado que, inevitavelmente, será destruído. Em lugar dos espíritos rebeldes, Deus colocará seu único Filho como chefe da humanidade: Cristo será auxiliado por uma nova corte celestial e dela farão parte os 144.000 eleitos. Por um merecimento espiritual, estes deverão ressuscitar da morte física e despertar para a vida espiritual no céu. A nova Terra será habitada por todo o resto da humanidade obediente a Jeová: tanto as pessoas vivas como as já mortas. As almas que formarão a nova corte celestial serão, porém, escolhidas só entre os que nasceram após a primeira vinda de Cristo. A razão de Jeová em permitir a batalha entre as forças da luz e das trevas é uma solução bastante singular para o problema da teodicéia: como justificar a existência do mal e do sofrimento num mundo guardado por um Deus onipotente? Diz-se que Deus consentiu nessa disputa motivado por dois desejos: o de vindicar o seu nome e o de dar ao homem uma oportunidade de salvação.37
De acordo com a crença das testemunhas de Jeová, os homens serão salvos se observarem a lei de Deus, conforme foi revelada na Bíblia, Principalmente a lei revelada por Jesus Cristo, cujas exortações são consideradas mais importantes que as dos Dez Mandamentos do Velho Testamento. As testemunhas de Jeová afirmam que não regulam sua conduta pelos Dez Mandamentos, pois Cristo trouxe uma nova orientação. A antiga ordem mosaica morreu com Jesus no Calvário e foi substituída por uma nova ordem, baseada em dois princípios: primeiro amar a Deus com todo o coração, com toda a alma, com toda a mente e com todas as forças – e, segundo – amar ao próximo como a si mesmo.
Este último mandamento é mais genérico. A partir dele foram “deduzidas” outras recomendações, como, por exemplo, a de se evitar o adultério. Essa ênfase sobre a observância das prescrições bíblicas como guia para a salvação levou à crítica radical das traduções na Bíblia já existentes. Como consequência disso, a Sociedade Torre de Vigia elaborou sua própriaTradução do Novo Mundo a partir da versão “original” do grego.
Dentre os que escrevem os tratados das testemunhas de Jeová, alguns vêem a história do Cristianismo e das Igrejas cristãs como um registro de apostasia crescente. Ou seja, um distanciamento cada vez maior dos ensinamentos de Cristo, adulterados pelo paganismo e pelas fantasias filosóficas dos homens. O ensinamento básico da falsa religião seria a imortalidade da alma humana. A origem dessa doutrina parece ser a primeira mentira de Satanás, ao negar que Eva morreria – como Deus havia dito – se comesse o fruto proibido. Eva realmente morreu e esse fato refuta a promessa. Mas Satanás apressou-se a justificar sua morte, estabelecendo o primeiro princípio da falsa religião: a morte seria apenas aparente e a vida continuaria numa esfera sobrenatural.38
Segundo as testemunhas de Jeová, a verdade dessa questão é que, ao morrer, o homem apenas expira. Cai em completa inconsciência, num sono sem sonhos, e assim fica aguardando o dia da Ressurreição. Nesse dia, segundo a fé e a vida do indivíduo, Jeová decidirá sua volta ou não à vida no Novo Mundo. Essa não é uma promessa de vida eterna no céu para o verdadeiro crente. É a promessa de eternidade em um paraíso situado na Terra, segundo uma concepção maisacessível.39
As testemunhas de Jeová admitem que erraram, no passado, em sua interpretação da Bíblia.40 Isso seria inevitável porque a profecia de Russell não se concretizou. Mas os acontecimentos de 1914 são agora interpretados como grandes sinais do Fim: os “Últimos Dias” estarão terminados quando morrer o último representante da geração que viu o princípio desses “Últimos Dias”.41
Para os Adventistas e as Testemunhas, adorar a Deus significa obedecer Sua lei e propagar Sua palavra. Por isso dão grande importância à pregação e à formação teológica de seus ministros.
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Ordenação ao ministério adventista; Igreja Adventista de Moema, São Paulo, no início da década de 1970.
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Curso para treinamento de anciãos (pastores) das Testemunhas de Jeová em São Paulo, Brasil (1975)
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SEMELHANÇAS E DIFERENÇAS ENTRE AS SEITAS
Em alguns aspectos de suas crenças, as adventistas assemelham-se às testemunhas de Jeová. Também eles acreditam na iminência da segunda vinda de Cristo, na derrota de Satanás e na purificação da Terra. Crêem na vida eterna na Terra aos que obedecerem a Deus e na revelação da falsidade da doutrina da imortalidade da alma.42 Há, porém, diferenças entre os credos das duas seitas.
Os adventistas são trinitários: acreditam que a Santíssima Trindade consiste no Pai, no Filho e no Espírito Santo; crêem na salvação pela fé, mas por uma fé demonstrada através de obras, principalmente se os fiéis ordenarem suas vidas segundo a vontade de Deus, expressa nas Sagradas Escrituras. A vontade de Deus é a lei de Jesus Cristo e dos profetas.
De maneira oposta às testemunhas de Jeová, os adventistas consideram válidos os Dez Mandamentos. Apesar disso, acreditam que, por sua morte na cruz, Cristo tenha liberado o homem dos sacrifícios expiatórios hebraicos. E, em vez de anular o Decálogo na cruz, honrou-o demonstrando que era mais fácil ele morrer na cruz do que a lei sagrada alterar-se.
Entre os Dez Mandamentos, os adventistas enfatizam a observação do Sabbath no Sétimo Dia – sábado. A sua observância no domingo é considerada como outro sinal de erro humano e de afastamento de Deus. Observar o Sabbath no sábado seria uma obrigação de toda a humanidade, como sinal de santidade e de fidelidade a Deus.
A religião adventista sustenta que a santidade do indivíduo é expressa no todo, formado por sua vida e sua conduta. Expressa-se, pois, no altruísmo, na participação em projetos que aliviem o sofrimento humano e que promovam a perfeição do mundo de Deus. Desse ponto de vista provém uma das mais notáveis diferenças entre as testemunhas de Jeová e os adventistas: as primeiras não se dedicam a obras que visem à melhora material – particular ou coletiva – porque Deus teria decidido destruir o mundo. Os adventistas, ao contrário, desenvolveram programas extensivos de educação, de assistência médica e social em escala internacional. Esses programas não se destinam a prestar serviços apenas aos membros de sua seita.
De modo geral, pode-se dizer que os adventistas preocupam-se com as coisas terrenas muito mais que as testemunhas de Jeová. Encontra-se em suas teorias e atitudes uma ênfase sobre o bem-estar e a saúde física, legitimada no sentido de que o corpo seria o templo da alma. Além disso, não são muito radicais em sua recusa de cooperar com os governos humanos para o desenvolvimento das nações. Dedicam também menos atenção às maldades e vícios do mundo como sinais da iminente destruição dos pecadores, nos mil anos de caos que precederiam o estabelecimento do paraíso na Terra. Os adventistas diferenciam-se das testemunhas de Jeová por se arrogarem menos direito de posse da verdade.43 A partir desse fato, não consideram “escravos de Lúcifer” aqueles que não pertencem à sua Igreja. (Esse termo é utilizado pelos líderes da Sociedade Torre de Vigia em relação aos que não integram sua comunidade.).44
Entre os adventistas e as testemunhas de Jeová, a comunicação mais direta e a glorificação a Deus realizam-se nas reuniões, através de preces e hinos.
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Igreja adventista em Brasília – DF, Brasil – década de 1970.
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Conjunto de “Salões de Assembléias” das Testemunhas de Jeová em Mairiporã, São Paulo, Brasil. (Foto aérea de fins do século 20. A capacidade conjunta de acomodação dos edifícios é de 10.000 pessoas).
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Para ambas as seitas, adorar a Deus significa obedecer Sua lei e propagar Sua palavra. Os ritos dessas Igrejas são considerados apenas como ocasião de demonstrar simbolicamente a fé. Os ritos de iniciação estão presentes nas duas Igrejas: as cerimônias de batismo de adulto por imersão total. O batismo simboliza para elas a experiência de vida-morte-vida de Cristo. Nenhuma das duas Igrejas considera-o um Sacramento.
Ambas celebram também a Santa Comunhão, que comemora a morte de Cristo. As testemunhas de Jeová celebram a comunhão anualmente e dela participa um número limitado de fiéis: apenas os que compõem a classe dos “ungidos”: aqueles que teriam adquirido o status de membros dos 144.000 escolhidos para a nova milícia celeste no novo céu.45
As Testemunhas de Jeová e os Adventistas reúnem-se regularmente em congressos. Entre as Testemunhas de Jeová, os grandes congressos em locais públicos (principalmente estádios esportivos) foram uma ocorrência muito comum ao longo de todo o século 20. Porém, ainda naquele século a liderança da organização passou a preferir realizar congressos em locais próprios (os chamados “Salões de Assembléias”, como os mostrados acima.)
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Assembléia internacional das Testemunhas de Jeová em Nuremberg, Alemanha, agosto de 1969.
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Congresso Internacional dos Adventistas em Miami, Flórida, EUA, início da década de 1970.
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Finalmente, só os adventistas celebram um rito que simboliza a ética do amor fraterno e humildade pessoal: procuram igualar-se a Cristo no ato de lavar os pés dos discípulos, lembrando que o orgulho provocou a queda de Satanás e do homem. A comunicação individual e direta e a glorificação a Deus realizam-se através de preces e hinos. Estes são, porém, relativamente insignificantes nas reuniões das testemunhas de Jeová, onde a principal atividade coletiva é o estudo dos tratados distribuídos pela Sociedade Torre de Vigia.46
Adventistas e testemunhas de Jeová organizam suas Igrejas de maneira diferente: os Adventistas sempre mantiveram um alto nível democrático. Seus dirigentes são eleitos pelos membros da seita e sua estrutura e o desempenho profissional do ministério da Igreja são sustentados por um sistema de cobrança de dízimos.
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Se a propagação da palavra de Deus é a tarefa principal de uma Testemunha de Jeová, o batismo simboliza para ela a experiência de vida-morte-vida de Cristo, segundo sua interpretação bíblica. Imagem:Batismo por imersão em água. Antiga pintura da Sociedade Torre de Vigia (EUA)
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Em contraste com o “centralismo democrático” dos adventistas do Sétimo Dia, a Sociedade Torre de Vigia caracteriza-se por um governo autocrático altamente centralizado que se iniciou quando Rutherford assumiu a liderança do movimento. Nessa organização, os dirigentes são nomeados pela Sociedade com base nas recomendações de seus superioresimediatos.47 O modelo de organização interna das testemunhas de Jeová é teocrático. A verdade é um monopólio dos líderes do movimento, que se afirmam representantes de Cristo na Terra.
Embora geralmente impressos por organizações nacionais, os tratados das testemunhas de Jeová apresentam grande homogeneidade interna, que reflete o controle centralizado das atividades e do pensamento de seus membros. Existem entre as testemunhas de Jeová aqueles que dedicam tempo integral à obra missionária: são sustentados pela Sociedade ou vivem do pequeno desconto no preço dos livros que vendem ao público.48 A organização das testemunhas de Jeová é mantida pela venda de suas publicações49; não utiliza coletas ou dízimos.
Uma testemunha de Jeová deve dedicar todos os seus dias à propagação da palavra de Deus; deve, pois, dedicar todos os seus dias a Deus.50 Por isso, não escolhe dias especiais para o Senhor, não observa algum sábado.
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Este artigo é uma reedição do verbete Adventistas e Testemunhas de Jeová, que integra a enciclopédia As Grandes Religiões (Editora Abril Cultural, 1973, Vol. 4, páginas 753-768). As atualizações, retificações históricas, notas de rodapé, algumas imagens adicionais e outros detalhes são nossos.